quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Delfim Peixoto: Eu não sou cartola. (Entrevista)



Eu não sou cartola
Manda-chuva do futebol catarinense desde 1985, o intocável Delfim Pádua Peixoto Filho chega aos 70 anos com uma trajetória repleta de controvérsias 
Daniel P. Giovanaz
Zero Revista – Revista Laboratório do curso de Jornalismo da UFSC

Não há como percorrer a ante-sala que leva ao escritório presidencial da Federação Catarinense de Futebol (FCF), no segundo andar do mais vistoso prédio da 6a Avenida, em Balneário Camboriú-SC, sem se deter por alguns instantes para observar as dezenas de retratos pendurados nas paredes. De segunda à sexta-feira, naquelas imagens amareladas pelo tempo, Delfim Pádua Peixoto Filho vê-se abraçado a personalidades como João Havelange, Ricardo Teixeira e Ronaldo Nazário de Lima, homens cujas palavras, canetas e chuteiras ajudaram a escrever a história recente do esporte mais popular do planeta. As fotografias revelam sua estreita relação com o poder, mas também lhe recordam que já ostentara cabelos, barba e bigode muito mais negros e abundantes do que atualmente. Por isso, seria natural se a atmosfera da ante-sala despertasse nele uma espécie de amargura, desconforto, ou ao menos nostalgia. Quem conhece Delfim, no entanto, sabe que nada disso o aflige.
Nascido em janeiro de 1941, no município de Itajaí-SC, o garoto que mais tarde seria eleito seis vezes consecutivas ao cargo de presidente da FCF não mediu esforços para realizar o sonho de ser jogador de futebol. Ainda hoje, sente saudades dos dias em que fazia parte das categorias de base do Clube Náutico Marcílio Dias. Atuava no setor de meio-campo e, na época, sua função era chamada de center-half - termo que foi substituído por “volante” na década de 1980.
O anseio de se tornar um atleta profissional, porém, transformou-se em decepção. O insucesso nos gramados levou-o a Florianópolis, onde se graduou no antigo Curso Científico, pelo Internato Colégio Catarinense, e em Direito, pelo Instituto Politécnico de Florianópolis. Além disso, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e participou da diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Santa Catarina. Não raramente, ele utiliza-se disso para desqualificar as críticas relacionadas à sua postura antidemocrática no comando da Federação. “Fui preso nos tempos da ditadura, então acho que não preciso dizer mais nada”, reage.
Após um breve período como professor universitário, o ex-militante assumiu o cargo de vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em Itajaí, em 1966, e elegeu-se deputado estadual pelo mesmo partido três vezes consecutivas, exercendo a função entre 1970 e 1982. No ano de seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa, subiu ao altar para casar-se com Ilka Aparecida Labes Peixoto, sua esposa até hoje. “Fora disso, é lógico que eu já tive muitas namoradas”, intervém o cartola, sem ao menos ter sido perguntado sobre o assunto.
Rapidamente adaptado às nuances que permeavam a atmosfera política, o ambicioso deputado ainda mantinha um inesgotável interesse pelo futebol e por seus bastidores. Eleito presidente do Marcílio Dias em 1981 e, dois anos depois, vice-presidente da Federação, ele rendeu-se novamente ao esporte e começou a trilhar um caminho que, como descobriria mais tarde, não teria volta.
As funções desempenhadas em ambientes protocolares, como escritórios e salas de aula de universidades, não apenas tornaram o futuro presidente da FCF consciente da importância de aparentar civilidade e honestidade nas relações interpessoais, mas também possibilitaram a ele exercitar cotidianamente sua ampla capacidade de elaborar estratégias. Por outro lado, o contato com esse novo habitat não impediu que ele conservasse a malandragem e a astúcia aprendidas desde a infância na rua e nos campos de várzea. O seu comportamento evidencia essa mistura: em poucos minutos de conversa, a polidez e a formalidade se esvaem e fica claro que, aos 70 anos de idade, Delfim Pádua Peixoto Filho ainda é um legítimo boleiro.
Em meio à candura da fumaça produzida pelo charuto cubano que segura cuidadosamente entre os dedos da mão direita, ele revela que não tem o menor apreço pelos jornalistas que se referem aos dirigentes de clubes, ligas e federações como ‘cartolas’. Delfim acredita que o jargão foi “criado por membros da imprensa marrom, que só querem criar polêmica”. Sobre os repórteres e colunistas de Santa Catarina, ele afirma que não tem do que reclamar. “Sempre tem aquelas brincadeiras, dizendo que está na hora de eu sair e tal, mas são todos meus amigos. Afinal, o Sarney é senador há muitos anos e ninguém ousa tirar ele de lá, não é mesmo?”, arremata o dirigente, oferecendo um argumento que parece considerar irrefutável.
 Pertencer ao conselho consultivo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e ser amigo íntimo do presidente da instituição, Ricardo Teixeira, são motivos de muito orgulho para Delfim. Baseada em frequentes trocas de favores, essa relação proporciona a ele certos privilégios, como por exemplo, a oportunidade de assumir o cargo de chefe da delegação brasileira no Mundial Sub-20, disputado na Colômbia entre julho e agosto de 2011. Sintomaticamente, menos de uma semana após o término do torneio, a FCF emitiu uma nota oficial proibindo qualquer manifestação contrária a Teixeira no estádio Orlando Scarpelli durante o clássico entre Figueirense e Avaí, pelo Campeonato Brasileiro - na manhã anterior à partida, o Ministério Público Federal de Santa Catarina (MPF-SC) conseguiu uma liminar que vetou a censura, por considerar que esta “feria de morte o direito de livre expressão de pensamento”. Não é de se estranhar, pois, que “espetacular”, “trabalhador” e “honesto” sejam alguns dos adjetivos que Delfim use para descrever o manda-chuva do futebol nacional, acusado de nepotismo, omissão de rendimentos provenientes de suas atividades rurais no Rio de Janeiro, compra de deputados e senadores, entre outras atividades ilícitas. Ricardo Teixeira depôs em três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), e foi absolvido de todas as denúncias.
O charuto, a barba e os gestos ora intimidantes, ora caricatos do presidente da Federação Catarinense de Futebol lembram, em alguns instantes, a figura do revolucionário argentino Ernesto ‘Che’ Guevara. Talvez, a semelhança seja mesmo proposital. “Che foi um gênio e é uma grande influência. Tive a oportunidade de conhecê-lo, e até de conversar com ele. Acho aquela frase, ‘Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás’, espetacular. São palavras que regem a minha vida”, revela, em tom de idolatria. O dirigente pretende, inclusive, solicitar que seja colocado um retrato do ex-guerrilheiro na parede do seu escritório, para servir como inspiração. “Tinha um quadro dele aqui, antes da reforma”, relembra. “Tá fazendo falta”.    
Ao contrário de Che, contudo, Delfim declara que não coleciona inimigos. “Tenho apenas um, em Florianópolis. Um ex-árbitro que não seria nada na vida sem a minha ajuda, mas decidiu ficar contra mim”, confessa, contrariado, sem sequer mencionar o nome. “Todo mundo sabe de quem eu tô falando. As iniciais são D.B.”. Ele se refere a Dalmo Bozzano, que tentou formar uma chapa de oposição para concorrer à presidência da FCF e, em maio de 2007, acusou o cartola de alterar estatutos para perpetuar-se no comando do futebol de Santa Catarina.
Em maio do ano passado, seu poder centralizador foi delatado novamente, desta vez pelo então vice-presidente da Federação, Nelson Lodetti. “Ele é uma pessoa muito boa, mas é ingênuo. Aí, foi enrolado por um jornalista, e acabou dizendo que era eu quem escolhia o árbitro dos jogos”, explica o dirigente, inconformado com a suspeita de que não teriam sido realizados sorteios de arbitragem em partidas do Campeonato Catarinense de 2010. Segundo ele, houve apenas um mal-entendido, porque “o Lodetti não tinha noção de como funcionavam as coisas”.
Além de se esquivar de acusações, Delfim utiliza os horários fora do expediente para descansar na companhia dos netos, assistir a jogos de futebol pela televisão e ir à igreja. Embora faça questão de afirmar que “carrega os valores comunistas até hoje”, ele é católico convicto, e acredita que isso não representa, de forma alguma, uma contradição.  
O atual mandato do presidente da Federação Catarinense de Futebol termina em abril de 2015. Quando forem realizadas as próximas eleições, Delfim Pádua Peixoto Filho terá completado três décadas no cargo. “Enquanto eu tiver saúde, posso ficar mais uns aninhos aí”, professa o septuagenário dirigente que não admite ser chamado de cartola. A risada buliçosa e despreocupada dá a entender que, de fato, não há empecilhos para a sua sétima reeleição.

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